Tenho pensado muito em escrever algumas considerações sobre a questão das dimensões públicas e privadas de nossa condição social e particular. Vivemos em sociedade, todas nossas ações e todo nosso ser está marcado por esta causa eficiente: somos processo e produto da prática social. Mas, dialeticamente, somos sujeitos, no sentido de assumir uma identidade, ainda que seja uma esfera aberta, histórica, como nosso fulcro identitário, ao mesmo tempo em que somos assujeitados, isto é, submetidos, seja pela educação, pela cultura, pela história. Estas duas dimensões articulam-se em nossa identidade cultural, polimórfica, polifônica, pluralista. Mas, para dar conta do peso existencial que nos abate, constituímos espaços menores, particulares, que significa ” o que é próprio de uma parte”, outros denominamos singulares, que dizem respeito ao pessoal, ao “singular”, ao próprio de cada um. Há dimensões sociais e coletivas, grupais e particulares, pessoais e subjetivas. Cada uma destas dimensões da realidade deveria ser, amiúde, bem compreendida e bem vivenciada.
Eu não abomino a dimensão social, seria uma forma de negação falsa, já que a dinâmica da vida social e da sociedade nos constitui. Mas eu acredito na necessidade de espaços prioritários de segurança afetiva, de desvelamento irrestrito, de calmaria, sem exposição, sem controles extremados, que são os espaços de privacidade, no sentido cultural e psicossocial, como a família, como o círculo de amigos, como os lugares de paz, o deleite do passeio, a praça, os jardins que gosto, a igreja. Nestes espaços eu conheço pessoas, cumprimento uma e outra, riem para mim, acenam, perguntam sobre a gripe, sobre meus filhos etc. Convivo há mais de 3 décadas com estas pessoas. São minha riqueza privada. Viver bem no ambiente privado, neste sentido cultural, no mundo da vida, é uma virtude. E um direito!
Hoje há uma ansiedade para ser visto. Sei que todos precisamos de muitas destas coisas, mas algumas pessoas, sem avaliar bem, extrapolam as dimensões, confundem os ambientes, desarticulam as identidades. Tomam o que é público como se fosse particular ou subjetivo. Desta esquizofrenia ética e política deriva a corrupção, o crime, entre outros fatores. Mas há pessoas que apropriam-se das privacidades (dos outros) como se fossem coisas e objetos públicos, de todos ou para todos! Equivocam-se!
Hoje há a questão das fotos públicas! Gosto de fotos, autorizo que coloquem fotos minhas nas páginas pessoais, como uma forma de convívio, uma distinção, um acolhimento. Aceito todos os carinhosos pedidos, faço poses para fotos. Meu trabalho é público, a atividade ali é pública, não vejo nenhum obstáculo ou dificuldade em tirar e publicar fotos de dimensões e de atividades definidas como públicas. No meu trabalho, a natureza da ação é pública, as fotos registram os olhares, as impressões, os acolhimentos das pessoas ao meu agir, às minha idéias, textos, discursos etc! Todas as fotos públicas eu as cultivo como públicas, as valorizo e respeito!
Mas não gosto de fotos que expõem dimensões privadas, pois a natureza destes espaços é outra! Uma festa de amigos, uma festa em família, um jantar, um churrasco, um batizado, uma celebração – são dimensões particulares, são de um grupo de pessoas, não são públicas, não são, a priori, para todos. Fotografar, com autorização, estes acontecimentos, é parte de nossa cultura. Até mesmo publicar, aqui e acolá, uma ou outra foto, pode até ser visto como uma forma de divulgação. Com limites. Mas deleitar-se em expor fotos, definitivamente privadas, no espaço público, para mim é ume relativa confusão. Eu queria pensar que conviver com alguém, no âmbito privado, é tão grandioso, muitas vezes, que somente a liturgia de estar juntos seria o prêmio, a compensação afetiva. Não há tanta necessidade desta ansiosa e impulsiva vontade de publicizar as coisas do cotidiano, da vida comum e boa do dia a dia! O particular deveria ser visto por aqueles que vivem naquela parte, naquele espaço privado. O singular é da pessoa. Descartes escreveu a famosa tese da modernidade racionalista: Penso, logo existo! Hoje parece que mudamos estruturalmente o texto para: Sou visto, logo existo!
César Nunes