A família e a escola são os universos matriciais da humanização, do desenvolvimento humano, social e subjetivo, das crianças e adolescentes. Tanto a família quanto a escola precisam acreditar que o exemplo é a melhor prática educativa. Não adiantará muito, nos dias de hoje, fazer discursos e sermões para os estudantes, ou ainda fazer preleções para os filhos sobre as coisas, sem o devido acompanhamento da coerência e da verdade. Para ser educador, para entender o papel de pais e mães educadores, para se tornar e ser reconhecido como um professor-educador, é preciso ser verdadeiro, estar convencido de alguns princípios e agir como exemplo vivo. Se os pais exigem leituras, a melhor forma de educar é sentar junto com os filhos e ler com eles um livro, contar estórias, conversar, brincar. Exigir que as crianças leiam e nunca ser visto em práticas de leitura é um dos exemplos clássicos de incoerência. E se torna o paradigma de outras atitudes. Nossos estudantes gostam de ver as pessoas sinceras e comprometidas com as causas da sustentabilidade ambiental, do compromisso social e da ética. Desse modo, estes princípios tem que estar no projeto pedagógico da escola, no dia-a-dia, nas práticas de acolhimento e de convivência entre os mestres, dos mestres com os estudantes e entre os próprios estudantes. A escola que ensina e prepara os seus estudantes para compreender o mundo do trabalho, da política e da cultura, e convoca a todos para darem sua palavra e contribuição.Só uma geração de professores e gestores humanizados, críticos, sensíveis e participativos produzirá uma geração de estudantes sensíveis, críticos e humanizados! A prática pedagógica cotidiana nos educa! Eu gosto de uma música do lendário grupo musical Legião Urbana que diz: “Você culpa os seus pais por tudo, isso é absurdo, são crianças como você!” Eu acredito que os pais, eu também sou pai, foram formados sobre determinadas regras de conduta, sobre algumas expectativas de comportamentos mais rígidas, próprias de sociedades pré-capitalistas, e que hoje tenhamos todos que aprender juntos, nessa nova realidade social e cultural. Muito há que se aprender hoje, entre as gerações, e nós, professores e pais, temos que ter a grandeza e a coragem de conversar com nossos filhos e sinceramente aprender deles e com eles! A grande e inalienável tarefa da família é a de amar e acolher seus filhos e filhas. A grande lição da escola é a de dar continuidade a essa experiência gratuita de amor e de acolhimento, com a conseqüente função de entronizar a criança e os adolescentes no mundo da cultura, na convivência com os diferentes, na ampliação do universo familiar.
A escola, para ser um agente de humanização, tem que ter relações orgânicas com a família e com a sociedade. Há diferentes papeis e diferentes funções formativas entre a família e a escola, embora ambas contribuam e se articulem na formação da criança e do adolescente, na produção plena da pessoa humana. Não deve a família terceirizar para a escola as funções e as bases educacionais que são de sua responsabilidade, tais como a formação moral, a educação ética e a integração social de seus filhos. À escola cabe formar a criança na continuidade da formação familiar, com ênfase na aquisição de conhecimentos, nas atitudes e nas condutas, nas posturas pessoais e coletivas diante dos fenômenos institucionais e vivenciais, cabe à escola solidificar os valores, acentuar e legitimar as práticas de solidariedade, de responsabilidade, de sustentabilidade, mas o lugar do nascimento e o reforço estrutural dessas práticas é a família. E, de algum modo, é também a sociedade, os seus espaços e as suas expressões, que atuam num processo coadjuvante de formação da criança e dos adolescentes iniciados na família e fortalecidos pela escola. Os pais podem (e devem) participar intensamente da vida educacional, cultural e escolar de seus filhos. Mas participar não é somente investir numa boa escola, cobrar os conteúdos ou manifestar atitudes similares. Participar é acompanhar plenamente o desenvolvimento de seus filhos, a partir de uma premissa de que é preciso acreditar que cada pessoa é uma versão única e original de da vida. Acompanhar seus filhos nessa apropriação da humanidade, ajudá-los no desenvolvimento de suas identidades e na formação de seu caráter, aceitar as características de seus filhos, reforçá-los em suas escolhas, apoiá-los em suas decisões! Os pais presentes na vida moral, cultural e educacional dos filhos são os luminares desses filhos!
Saber, conhecer, são valores socialmente muito importantes, mas tem que ser acompanhados de parâmetros éticos e políticos voltados para a promoção da vida, para a prática da liberdade, para o respeito às diferenças. Não posso ter uma presunção de que o saber esteja acima da vida, da igualdade humana. Não pode a erudição superar a sabedoria! É preciso formar as pessoas para aprender que a vida é o nosso penhor e graça, voltada para a busca da felicidade, como ensinava Aristóteles! Só há dois caminhos para a felicidade: a ética, cultivar valores pessoais e grupais, e a política, estabelecer consensos coletivos altruístas, elevados, inspiradores. Temos que aprender sobre as coisas, sobre o mundo, para sermos pessoas melhores, solidárias, sensíveis! Dizia Gandhi: Seja você o primeiro a realizar as mudanças que você deseja para o mundo! Os meios de comunicação de massa, hoje chamados de mídia, estão hoje num vertiginoso processo de transformação, de fusão e de ebulição criativa. São múltiplas suas fontes e formas. Mas, a despeito do reconhecimento da grandeza da Internet, dos utensílios de manejo digital pluralista (rádios, fotos, imagens, jogos, arquivos) isso não pode ser um fim em si mesmos. Uma radical dependência desses objetos digitais que parecem mágicos pode tirar a pessoa da dinâmica da vida real. Saramago usou a célebre metáfora de Platão: “estão todos numa caverna, vendo o mundo às avessas!” Para mim essa tecnologia de informação e de comunicação, rica e diversa, não pode prescindir de um condicionamento ético, antes que tecnológico. Junto a tais parafernálias eletrônicas vem uma ansiedade de vencer, um senso de descartabilidade, uma sensação de poder e de manipulação que pode retirar importantes descobertas humanas da pauta cotidiana da vida. É preciso ter um senso ético para o domínio e não a dependência tecnológica descartável e rapidamente obsolescente. Trata-se mais de uma questão de formação, de diálogo, de debates, do que interdição ou imposição de limites.
César Nunes, Outono de 2016