A história é um complexo de acontecimentos, dialéticos e contraditórios, da qual vamos buscando extrair sentidos, reconhecer as direções, extrair ou produzir justificativas ou explicações. A esfera dos acontecimentos, por sua vez, esconde as diferentes e diversas intenções, os sentidos, os plurívocos significados, os antagonismos dos agentes, dos atores e das próprias dinâmicas destes protagonistas, envolvidos neste processo. Há a estrutural posição de classe, que define os lugares, os interesses e as intencionalidades veladas. Para decifrar a história é preciso manejar uma filosofia da história.
Neste sentido, é muito triste, pesaroso até, ver os acontecimentos que marcam o cenário recente da educação paulista. Não são os professores, nem os alunos, menos ainda os servidores da grandiosa rede paulista, os protagonistas desta incúria. O estado de São Paulo está, isto sim, em sua matriz governativa, como poucas vezes esteve, sem rumo, à deriva, sem projeto ou interlocução, na área da Educação. Prevalece um ranço tecnicista, um acento burocrático e autoritário, e um verniz produtivista neoliberal, enleados pela improvisação, pelo descuido e pelas irresponsabilidades!
O descabido projeto de reorganização das escolas, levado a cabo por um governo insípido, a demissão do secretário estadual declarando ter “vergonha’ da estrutura educacional e escolar paulista, a corajosa e desesperada ocupação das escolas ameaçadas, tomadas pelos próprios alunos, para defendê-las, mais de duzentas escolas, o enfrentamento com a polícia, a grotesca declaração do chefe de gabinete da SEE, na ocasião, usando a infeliz metáfora de um “estado de guerra” com os estudantes do ensino médio, as bombas de efeito moral, os atos e as atitudes bélicas, transformando a educação numa questão de “segurança” – tudo isso culminando na nomeação do ex-presidente do Tribunal de Justiça para a pasta da Educação estadual! Não teria bastado a humilhação aos professores, numa greve sem resposta, conduzida pela cínica burocracia governamental. Triste tirocínio, um desembargador na educação, sinal de pobreza de espírito, escárnio, violência simbólica, desrespeito franco e cabal, desconhecimento do mundo da educação, falta de projetos, falta de tudo! Duas coisas ainda me assustam mais, a questão do encaminhamento do Plano Estadual da Educação de São Paulo, o fechamento de mais de mil salas, silenciosa e paulatinamente, a asfixia burocrática e perversa da educação pública pelas medidas avaliativistas, estreitas e mercantilistas, e a vergonha da denúncia do suposto roubo, do grau de corrupção mais absurda, da merenda escolar paulista! Oh tempora, oh mores!
Meu Senhor! O que pode haver de mais trágico, de mais macabro e pernicioso do que este cenário? Um estado que ainda não finalizou seu Plano Estadual de Educação, pois o governo paulista desautorizou e sabotou o Plano feito pela própria Comissão, anteriormente nomeada, ao final de 2015. Comissão esta que coletara em audiências públicas a pauta do referido Plano, como deve ser a dinâmica democrática. São Paulo não tem ainda um Plano Estadual homologado e sufragado. Será praticamente um documento outorgado, como reza a infeliz tradição do autoritarismo, da arbitrariedade e do desmazelo!
O piso salarial dos professores do estado de São Paulo é o sexto pior salário entre os 26 estados e o distrito federal. Desorganização curricular e organizacional, desestruturação legal, pois o Estado não apresenta, em seus documentos e resoluções, nenhuma organicidade com os documentos matriciais do PNE (Lei 13.005/2014) ou das Diretrizes Curriculares Nacionais, diversas e polifônicas. Permanecem os discursos fragmentários, órfãos do PNE neoliberal de 2001 ( Lei 10.172/2001) sobre “competências e habilidades”, ” empreendedorismo”, “avaliação por resultados”, “produtividade”, “desempenho”, “bonificação” etc. que fariam Theodor Schutz corar de vergonha, de tão banais e inautênticas formulações da teoria do capital humano. A educação paulista está vilipendiada. Seu estado de inanição e penúria, no início deste 2016, me faz entristecer e quase declinar, com pesar. Mas a história não para. Os estudantes das escolas nos mostraram que o “novo sempre vem”. É hora de lucidez e de esperança para reverter este quadro! Bogdan Suchodolski me inspira, ao escrever: ” Se queremos educar os jovens de modo a tornarem-se verdadeiros e autênticos artífices de um mundo melhor é necessário ensiná-los a trabalhar para o futuro, a compreender que o futuro é condicionado pelo esforço do nosso trabalho presente, pela observação lúcida dos erros e das lacunas do presente, por um programa mais lógico da nossa actividade atual”.